Região sul do estado é um dos pontos mais críticos de conversão no Cerrado. Produtores conscientes e agências usam ferramentas de tecnologia e práticas sustentáveis para crescer com responsabilidade ambiental.
O estado do Maranhão representa o “Ma” do acrônimo Matopiba, uma região que integra mais três unidades federativas brasileiras (Tocantins, Piauí e Bahia) e é uma das forças mais pujantes na produção de grãos no país. Trata-se também de uma área de transição entre os biomas Amazônia e Cerrado, uma fronteira agrícola em expansão ambígua: produtores conscientes e organizações avançam na implementação de regulações ambientais e trabalhistas ao mesmo tempo em que cresce o desmatamento ilegal.
No sul maranhense se evidencia o conflito de interesses. Na região liderada pelo município de Balsas (que compreende um total de 18 cidades) é produzida mais da metade da produção de soja do Maranhão – e cerca de 80% do total é exportado, ou seja, grande parte da capacidade produtiva é certificada para o comércio internacional.
Por outro lado, Balsas lidera também o trágico ranking de desmatamento do Cerrado: foram quase 23 mil hectares do bioma colocados abaixo em 2020, de acordo com o levantamento do PRODES. E, em 2021, segundo os dados do Deter, o ritmo da imapcto ambiental acelerou: já são mais de 121 mil hectares perdidos.
Expansão agrícola e consolidação da soja
O movimento migratório da soja no Brasil avança do Sul para o Norte. A partir da década de 1980, agricultores gaúchos, catarinenses e paranaenses foram primeiro aos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás atrás de porções maiores de terra para expandir sua produção. Um segundo êxodo sulista ocorreu na primeira década do século 21 em direção ao Matopiba.
Gaúcho de Não-Me-Toque, Paulo Roberto Kreling, 62 anos, se mudou para Balsas em 2003 para ocupar uma área comprada por seu pai na década de 1970. “Ele foi um visionário. Aqui, na época, não tinha nada”, conta. Quando chegou à propriedade, em meio à topografia desafiadora da Serra do Penitente e ao clima irregular no regime de chuvas, ele recorda não haver sequer acesso de carro. Hoje sua fazenda tem 2400 mil hectares, sendo 1760 deles com plantio de soja, sustenta toda sua família e a de dez funcionários.
Paulo Kreling, Balsas – Maranhão
Quando se instalou no Maranhão, Paulo não poderia imaginar que chegaria a produzir 5 mil quilos de soja por hectare, seu nível de produtividade atual. Embora o preço das terras fosse um atrativo, as condições climáticas, geográficas e logísticas tornavam improvável o desenvolvimento agrícola na região.
O boom do crescimento agrícola passou sobretudo pelo investimento em tecnologia. Na década de 2000, uma parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte (Fapcen) desenvolveu um banco genético de sementes de soja com cultivares adaptados a baixas altitudes.
A década seguinte foi de consolidação do setor – e passa por três aspectos. Um deles foi a entrada de capital estrangeiro no desenvolvimento tecnológico das sementes de soja. Grandes empresas do setor de alimentos compreenderam a capacidade produtiva do sul maranhense e investiram em novos bancos genéticos do grão.
Outro elemento fundamental foi a implementação de técnicas agrícolas mais modernas e sustentáveis. Paulo Kreling relata que para vencer os veranicos e os períodos de escassez hídrica, é preciso investir em melhoria para o perfil do solo e garantir a cobertura adequada do solo, por exemplo, com o uso de plantio direto na palha sobre a terra. E que, somada à tecnologia genética e ao manejo mais adequado, é fundamental também investir na qualificação da mão-de-obra.
Por fim, soma-se a isso o conjunto de investimentos feitos para a expansão do Porto de Itaqui, localizado em São Luís, capital do estado. Inaugurado na década de 1970, passou por um ciclo de modernização entre 2012 e 2018 e reforçou seu status de estratégico devido a sua posição geográfica: de lá, são cerca de 10 dias até os principais portos da Europa ou 15 dias até a China, via Canal do Panamá.
Macroeconomia e oportunidades de negócio
O uso de tecnologia e de técnicas modernas de plantio reduziu consideravelmente o risco de eventos climáticos extremos comprometerem a produtividade no campo. Mas os agricultores ainda lidam com as instabilidades potencializadas pela crise econômica.
A desvalorização do real diante ao dólar – somada à crescente demanda global por grãos para a produção de proteína animal – impulsionou a exportação de grãos brasileiros para os mercados desenvolvidos. Mas os efeitos colaterais vêm dando as caras: os preços de sementes, defensivos, fertilizantes, combustíveis e maquinários, também negociados em dólar, empurraram para o alto os custos de produção. “Estamos muito preocupados com a próxima safra”, alerta Paulo.
Diante deste cenário, Paulo e muitos outros produtores comprometidos com o crescimento sustentável retém os investimentos. Por outro lado, a urgência para corrigir prejuízos empurra alguns empresários ao descumprimento de normas ambientais e à abertura irregular de áreas de vegetação nativa. Assim, além de produzir mais em volume, os grileiros também aumentam seu patrimônio convertendo áreas fechadas (mais baratas) em áreas abertas (mais valorizadas).
Ainda que o problema da falta de fiscalização adequada caiba resolução do Estado, o mercado internacional se movimenta para coibir a comercialização da soja de origem inadequada. A exigência de certificações é uma demanda crescente de compradores, sobretudo de países europeus.
Gisela Introvini, superintendente da Fapcen, explica que produtores conscientes, hoje, procuram ativamente as agências para receberem consultorias e certificações de respeito às leis ambientais e trabalhistas, e estímulos financeiros e técnicos para o desenvolvimento de projetos sociais nas comunidades as quais estão inseridos.
O selo RTRS (Round Table on Responsible Soy Association) é o mais popular e compreende cinco princípios: modelo de gestão, relacionamento com o colaborador, respeito ao meio ambiente, envolvimento com a comunidade e práticas agrícolas adequadas. “É muito importante também investir em diversidade de alimentos”, sentencia Gisela. “As commodities são exportadas mas precisamos produzir também feijão, mandioca, arroz, e atuar em nichos, para que as cidades possam também serem prósperas”.
Para isso, os agricultores contam com o impulso dos créditos verdes. Instituições públicas como o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e a Caixa Econômica Federal têm linhas de crédito abaixo da taxa básica de juros para o desenvolvimento rural, mas exigem, em contrapartida, regularização completa de licenças ambientais – por exemplo, é obrigatório o estabelecimento de reserva legal de 35% de área nativa no Maranhão.
E mais recentemente, um novo modelo de negócio entrou no horizonte dos produtores de soja. Desde setembro de 2020, o programa PSA Soja Brasil estima ter evitado o desmatamento de 4 mil hectares de Cerrado e garantido o sequestro de 10 toneladas de carbono – diante de 50 fazendas inscritas, que totalizam 450 mil hectares no sul do Maranhão.
Trata-se do desenvolvimento de metodologias de aferição e precificação de serviços ambientais promovidos com a boas práticas agrícolas sustentáveis. Ou seja, a partir de técnicas como o plantio direto e o manejo da palhada, por exemplo, reduzir as emissões de carbono e comercializá-las para garantir uma nova – e inteligente – fonte de receita.
“Eu participei e fui indenizado por carbono”, comemora Paulo Kreling, que integrou o primeiro time de produtores do PSA Soja. As compensações oriundas da moeda verde do mercado de carbono representam, até agora, percentuais tímidos diante de seu faturamento total. Mas já sinalizam a possibilidade de uma estratégia de preservação ambiental a médio e longo prazo que seja, além de ecologicamente, economicamente valiosa.
Cresce, portanto, a cadeia que promove a produção responsável da soja. Créditos de carbono e, principalmente, créditos financeiros ofertados por bancos só são emitidos àqueles que mantém a reserva legal mínima de 35% da propriedade rural e que cumpre as demandas para a conquista de certificados aceitos por compradores internacionais. “O empresário rural, hoje, sabe que precisa preservar”, conclui Paulo. “O mercado consumidor é soberano. E cada vez mais ele cobra isso”.