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Em nenhum lugar do Brasil se produz tanta soja quanto no estado do Mato Grosso. Das cerca de 125 milhões de toneladas de soja cultivadas no país na safra 2019/2020, mais de um quarto tem origem em território mato-grossense.
O protagonismo de Mato Grosso na soja brasileira é recente. Historicamente, eram os estados do Sul, Rio Grande do Sul e Paraná, os principais produtores do grão. Durante a década de 1980, começaram a se multiplicar as lavouras pelo Centro-Oeste brasileiro, resultado de uma diáspora de produtores sulistas em busca de terras mais baratas em solos igualmente adequados para a cultura de soja.
Na virada dos anos 1990 para 2000, Mato Grosso assumiria a liderança do ranking nacional da soja, posição que mantém até hoje com quase o dobro da produção do segundo lugar. Em termos territoriais este ano o volume de hectares destinado à cultura da soja deve superar os 10 milhões.
A soja, ao lado da pecuária, se tornou o carro-chefe da expansão do agronegócio em Mato Grosso. Hoje, o setor é responsável por mais de 50 por cento do PIB mato-grossense – maior percentual do país. E também foi o motor de uma arrancada na economia do estado: seu PIB per capita saltou de R$ 7.928,00 em 2002 (o do Brasil era R$ 8.378,00) para R$ 37.914,00 em 2017 (no mesmo ano, o Brasil registrou R$ 31.587,00).
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Mas tanta pujança não veio sem efeitos colaterais. A expansão agropecuária se deu às custas de ocupação a áreas desmatadas de Amazônia e Cerrado. Os sistemas de monitoramento espacial de florestas registraram recorde de desmatamento em 2003 e no ano seguinte iniciou-se uma série de políticas públicas federais para reduzir o ritmo da destruição. Funcionou.
A partir de 2004, o desmatamento despencou no Mato Grosso, embora tenha registrado um refluxo desde 2019. Parte do sucesso da estratégia que cruza proteção ambiental e aumento da produtividade é o estabelecimento da Iniciativa Produzir, Conservar, Incluir – PCI, em 2015. Hoje transformado em Instituto PCI, tem entre suas metas reduzir o desmatamento da floresta Amazônica e do Cerrado em 90 e 95 por cento, respectivamente, recuperar florestas naturais, aumentar a produção de soja e gado e prestar assistência técnica a mais de 100 mil pequenos agricultores do estado.
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“O agro segue crescendo e exportando muito, mas no mercado hoje há uma desconfiança em relação à capacidade do país em atender a demanda global conservando a biodiversidade e dando respostas à altura dos desafios das mudanças climáticas”, analisa Fernando Sampaio, diretor-executivo do Instituto PCI. “Nosso objetivo é demonstrar que esse equilíbrio em Mato Grosso é possível, coordenando ações públicas e privadas para o uso eficiente da terra trazendo investimentos para o setor, o que é fundamental para fazer as metas acontecerem.”
“Mato Grosso está centralizado aos olhos do mundo e passa por pressão do comércio mundial devido sua concentração de ativos ambientais. E os produtores também sentem essa pressão”, reforça Maria Zelma Gomes, coordenadora de projetos da Produzindo Certo, empresa que trabalha em parceria com o PCI no suporte técnico e logístico à produção de soja.
Maria Zelma trabalhou na linha de frente com a assistência socioambiental de 50 fazendas no Mato Grosso. O diagnóstico elaborado pela Produzindo Certo indica que a maioria dos produtores afirmam ter interesse em expandir a produção para áreas já abertas ou converter pastagem em agricultura – e, assim, evitar qualquer avanço sobre vegetação nativa.
Para fazer isso, no entanto, os produtores pedem ajuda. O apelo, sobretudo para pequenos e médios negócios, é para que sejam oferecidos financiamentos e subsídios mais atrativos e assistência técnica de melhores práticas acessíveis. “É uma indústria a céu aberto e há variações: a oscilação do clima influencia muito na rotina e produtividade do campo, variação de preço, devido oscilação do câmbio e as operações com a rotatividade de mão de obra, interfere no planejamento”, explica Maria Zelma.
Dois exemplos de como é possível rapidamente fazer a curva e adotar práticas mais sustentáveis são os municípios de Campos de Júlio e Planalto da Serra.
Em Campos de Júlio, maior PIB per capita do estado, o boom da soja enriqueceu a cidade, mas acabou com cerca de 225 mil hectares de vegetação nativa. A partir da ação de monitoramento e suporte, o desmatamento foi drasticamente reduzido: em 2019 registrou 92 por cento a menos que o período base 1996-2015.
Em Planalto da Serra, a redução do desmatamento foi ainda maior, 94 por cento no mesmo período. E a cidade avança em outro aspecto importante. Aproximadamente 75 por cento da produção, hoje, é cultivada em propriedades de agricultura familiar. Um dos eixos da PCI é justamente a Inclusão de pequenos produtores apoiando a regularização fundiária e ambiental, a assistência técnica e o acesso aos mercados.
“Só poderemos ter um território realmente sustentável se a inclusão dos produtores for trabalhada”, conclui Fernando Sampaio.
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